Uma verdadeira aula sobre tipografia

Compartilho com vocês esse texto, escrito pelo Designer Gráfico Dan Mayer, que é uma verdadeira aula sobre tipografia. Essa versão “meia-boca” em português foi feita por mim. Quem quiser ler o original, segue nesse link.

Que fonte devo usar?
Cinco Princípios para a Seleção e Utilização de Fontes

Por Dan Mayer

Para muitos iniciantes, a tarefa de escolher fontes é um processo de mistificação. São infinitas opções, das tradicionais às novas, culminando com uma interminável lista de fontes, com categorias e recomendações.  Saber escolher o tipo certo envolve uma mistura de conhecimento de regras de harmonia visual com o bom senso e um pouco de intuição. Aqui estão cinco orientações para saber escolher e usar fontes que tenho desenvolvido ao longo ensino da tipografia.


1.  Vestido para a ocasião

Muitos dos meus alunos iniciantes escolhem o tipo de letra como se fossem em busca de novas músicas para ouvir: eles avaliam a sua personalidade e procuraram algo único e distintivo que expressa o seu gosto estético particular e sua história pessoal. Essa abordagem é problemática, porque coloca demasiada importância à individualidade.

Escolher um tipo de letra é como escolher o tipo de roupa para se vestir. Assim como com a roupa, não há uma distinção entre os tipos que são expressivos e elegantes, versus aqueles que são úteis e adequados. Tudo depende da situação e nosso trabalho é tentar encontrar o equilíbrio certo para cada ocasião.

A peça favorita do meu guarda-roupa é um casaco anos 70 que eu comprei em um brechó. Mas a realidade é que ele não consegue sair do meu armário, exceto no período de Halloween. Cada designer tem algumas fontes favoritas, que nos apegamos e aguardamos a ocasião ideal para usá-las. Frequentemente, encontro-me colocando o mesmo jeans Levi’s desbotado manhã após manhã. Não é que eu goste mais dele que a minha querida Wrangler, mas acabo usando-o na maioria das vezes porque é mais confortável.

Todo designer tem um tipo de fonte que é como um jeans confortável: ele vai bem com tudo, se adaptando ao seu ambiente e tornando-o mais descontraído ou mais formal, como a ocasião pede. Normalmente, são fontes que têm uma série de pesos (Light, Regular, Bold, etc.) e/ou cortes (em itálico, condensada, etc.). Minhas fontes de “segurança” são: Myriad, DIN, Akzidenz Grotesk entre os sans; e Mercury, Electra e Perpétua entre os serifados.

    Uma família grande como Helvetica pode ser usada para expressar uma gama de vozes e emoções. Versátil e confortável para trabalhar, esse tipo é como uma calça jeans casual para os designers.


 2.  Conheça as Famílias: agrupando as fontes

A analogia do vestuário nos dá uma boa idéia de que tipo de armário precisamos ter. O próximo desafio é desenvolver algum tipo de estrutura pela qual podemos mentalmente categorizar os tipos diferentes que atravessam.

Caracteres tipográficos podem ser divididos e subdivididos em dezenas de categorias, mas nós realmente só precisamos conhecer cinco grupos para estabelecer um entendimento de trabalho da maioria dos tipos a serem usados no dia-a-dia do designer.

A lista a seguir não deve ser entendida como uma classificação global de cada categoria do tipo (há uma abundância de grandes sites na web que já ultrapassa essa questão), mas sim como uma visão abreviada e gerenciável de grupos-chave. Veremos dois grandes grupos sem serifas (serifas são os “pezinhos” nas extremidades das letras), dois com serifas, e um outlier.

2.1.  Geometric Sans

Combinamos nessa categoria três diferentes grupos (geometric, realistic e grotesk), mas não há elementos suficientes em comum entre esses grupos para que possamos considerá-lo como uma única entidade.  A Geometric Sans-Serif é baseada em formas geométricas rigorosas. As formas individuais de uma letra Geometric Sans têm, frequentemente, cursos que são todos da mesma largura, pondo em evidência um conceito minimalista na sua concepção, uma espécie de “menos é mais”.

De bom as “Geometric Sans” são claras, objetivas, modernas e universais. Como lado negativo são frias, impessoais e chatas.  Uma fonte Geometric Sans é como um aeroporto de um design muito bonito: é impressionante, moderno e útil, mas temos que pensar duas vezes sobre se gostaríamos ou não de viver lá.

Exemplos de Geometrics: Helvetica, Univers, Futura, Avant Garde, Franklin Gothic, Akzidenz Grotesk.

2.2.  Humanist Sans

Esses tipos Sans são derivados da caligrafia. São limpos, modernos e, como alguns deles demonstram, conservam algo inescapavelmente humano na sua raiz.  Compare o ‘t’ na imagem acima com o ‘t’ da ‘Geometric’ e observe o quanto mais detalhes e idiossincrasias tem o ‘t’ da Humanist.

Esta é a essência da “Humanist Sans”: enquanto “Geometric Sans” são normalmente concebidas para serem o mais simples  possível, as formas de uma fonte Humanist geralmente têm mais detalhes, menor consistência, e freqüentemente envolvem variações de mais fino e mais grosso nos pesos – afinal eles vêm da nossa escrita, que é algo individualizado.

Como ponto positivo, as “Humanist Sans” conseguem unir as duas coisas: modernidade, simplicidade, com toque humano e empatia.  Como lado negativo, elas podem se tornar “insossas” e falsas nas mãos de alguns diretores de arte.

Exemplos de Sans Humanist: Gill Sans, Frutiger, Optima, Myriad, Verdana.

 2.3.  Estilo Antigo “Old Style”

Como o próprio nome sugere essa família é composta de fontes mais antigas, resultado de séculos de desenvolvimento das nossas formas de caligrafia.  Fontes Old Style são marcadas pelo contraste entre grosso e fino e as formas curvas das letras tendem a se inclinar para a esquerda (assim como a nossa caligrafia).

Como ponto positivo, as Old Style apresentam estilo clássico, tradicional e são bem legíveis. Como aspecto negativo… bem, são clássicas e tradicionais.

Exemplos Old Style: Bembo, Palatino, e -especialmente – Garamond, que foi considerado tão perfeito no momento da sua criação, que ninguém realmente tentou muito melhorá-la durante um século e meio.

2.4.  Transitórias e Modernas


Como uma conseqüência do pensamento iluminista, de transição (meados do século 18) e Moderno (século 18) surgiram fontes em que os designers experimentaram fazer seus próprios estilos de letras, mais geométricas, afiadas e virtuosísticas do que as modestas fontes da família Old Style.

A maior parte do desenvolvimento foi impulsionado por uma competição entre dois designers rivais que criaram tipos semelhantes: Bodoni e Didot.  Como pontos positivos, as fontes Transitórias e Modernas aparentam elegância e dinamismo.  No quesito negativo, elas parecem “nem aqui nem lá”, ou seja, usam estilo barroco sem serem clássicas, e são muito “entulhadas” para serem verdadeiramente modernas.

Exemplos de tipos Transitórios: Times New Roman, Baskerville.
Exemplos de tipos Modernos: Bodoni, Didot.

2.5.  Serifa Chata “Slab Serif”

Também conhecido como “egipcianas”, as Slab Serif fazem parte de um cardápio de fontes que entrou em voga fortemente nos últimos anos. As fontes da família Slab Serif têm desenho como os de Sans Serif (ou seja, formas simples, com pouco contraste entre grosso e fino), mas possuem serifas retangulares e presos na extremidade. Slab Serif são um caso isolado, no sentido de que eles transmitem muitas impressões bastante contraditórias: por vezes, o pensador, por vezes, o cara durão, às vezes provocador, às vezes o nerd, às vezes urbanos sofisticados, às vezes o cowboy.

Elas podem transmitir uma sensação de autoridade, no caso das versões pesadas como Rockwell, mas eles também podem ser bastante amigáveis, como na recente Archer. Muitas Slab Serif parecem expressar um caráter urbano (tais como Rockwell, Courier e Lubalin), mas quando aplicado em um contexto diferente (especialmente Clarendon), elas recordam o tipo de sinalização americana rural antiga que aparece em fotos deste período. Slab Serif são difíceis de generalizar sob um grupo, e podemos fazer uma analogia com um par de óculos com armação “aros de tartaruga”: eles dão ao rosto um aspecto de cult, extravagante, mas podem tornar-se excessivamente destacados no meio errado.

Exemplos de Slab Serifs: Clarendon, Rockwell, Courier, Lubalin, Archer.


 3. Não seja tímido: o princípio do contraste decisivo

Então, agora que conhecemos as famílias de fontes e exemplos clássicos de cada uma, temos que decidir como misturar e combinar e – mais importante – saber adequar o uso pra cada ocasião. Se chegarmos a um ponto em que desejamos adicionar um segundo tipo de fonte no projeto, é sempre bom observar essa regra simples: ou escolha variações do tipo da mesma família (bold, light), ou escolha um tipo de família oposta, por exemplo serifa x sem serifa. Evite incrementações, fontes destoantes.

Este é um princípio geral que podemos chamar de correspondência e contraste.  A melhor maneira de ver esta regra em ação é levar todas as moedas coletadas ao acaso na sua última viagem pela Europa e despejá-las todas sobre uma mesa.  Se você colocar duas moedas idênticas uma do lado da outra, elas ficam bem juntas porque elas casam simetricamente (correspondência).  Por outro lado, se colocarmos um centavo ao lado de uma dessas moedas maiores comuns na Europa Central, isso também parece interessante pois parecem bastante diferentes (contraste).

O que não funciona tão bem é quando colocamos a nossa moeda de dez centavos próximo a uma moeda de outro país que possui quase o mesmo tamanho e cor, mas é um pouco diferente.  Isso cria uma relação visual desconfortável, porque cria uma dúvida. Mesmo em um nível inconsciente, nossa mente entra em conflito para saber se esses dois são os mesmos ou não, e o processo de perguntar e querer saber simplesmente distrai o processo de visualização e compreensão.

Quando combinamos várias fontes em um projeto, queremos que elas convivam em harmonia, não queremos distrair o leitor, dispersando-o da mensagem. Podemos começar evitando o uso de duas fontes diferentes pertencentes a uma mesma família, por exemplo duas Sans Geometrics, como Franklin e Helvetica. Apesar de não serem exatamente iguais, estes dois tipos também não são suficientemente diferentes e, portanto, usar os dois tipos em um projeto incorre no risco de ficar no lugar temido do “nem-lá-nem-aqui”.


Se vamos jogar outra fonte junto com a Helvetica, melhor usar algo como a Bembo, um clássico da família Old Style.  Separadas por séculos de distância em termos de inspiração, Helvetica e Bembo tem bastante contraste e apresentam conforto visual em uma página:

Infelizmente não é tão simples escolher uma combinação de fontes que são muito diferentes. Colocando uma fonte sem serifa ao lado, digamos, de uma Garamond ou Caslon não nos garante uma harmonia tipográfica.  Muitas vezes, como no exemplo acima da Helvetica e Bembo, não há nenhuma explicação absolutamente lógica para o porquê dos dois tipos se complementarem entre si – eles apenas o fazem.

Mas se quisermos algum princípio para orientar a nossa seleção, deve ser este: muitas vezes, dois tipos de fontes trabalham bem juntos se eles têm uma coisa em comum, mas são de outra maneira muito diferente. Este aspecto comum pode ser visual (semelhantes na altura ou peso) ou cronológico. Tipos de fontes do mesmo período de tempo têm uma maior probabilidade de trabalharem bem juntas, e se elas são do mesmo designer, as chances aumentam.


 4. O Princípio do cinto-cor-rosa

Chega de todas essas regras e fontes convencionais de aparência tradicional”,  você pode dizer.  “Eu preciso de algo para o um flyer de uma rave ou para um menu de um restaurante tailandês!  E os meus cartões de Natal!?” O que você está apontando aqui é  que todos os tipos de fontes que discutimos até agora são “fontes  casuais”, significando que você pode conseguir diagramar um menu inteiro  ou jornal com qualquer um deles sem problemas. Como na analogia de vestuário  que apresentamos no início, estas fontes são as “Levi’s” do nosso cotidiano. E o que poderíamos chamar de  “vestimentas para o Halloween”?

Vez por outra temos a necessidade de usar uma fonte que flui com a personalidade, mesmo que a personalidade seja para traduzir uma festa hip-hop, um letreiro de um restaurante tailandês ou um  cartão de Natal.  É essa necessidade que  nos leva para o mundo vasto de fontes “Fantasia”, que inclui desde Comic Sans a uma Typist, por exemplo. As fontes Fantasia devem ser usadas de forma moderada. Uma fonte Fantasia pode adicionar uma pitada necessária de sabor a um projeto, mas pode rapidamente desgastá-lo se usada muito amplamente.

Pausa para uma outra analogia com roupa:

Neste caso, o uso do cinto cor-de-rosa como acessório junto com um calça jeans funcionou porque o cinto cor-de-rosa age como um destaque e é compensado pelo discrição do jeans azul básico.
Mas se exageramos nos acessórios cor de rosa, vamos acabar com algo assim:

Vamos chamar isto de “princípio do cinto cor-de-rosa”: para demonstramos personalidade não é necessário exagerarmos nos acessórios. O mesmo vale para as fontes. Se exagerarmos no uso de fontes Fantasia no nosso projeto, o apelo estético será rapidamente desgastado e – pior ainda – nosso projeto se tornará muito difícil de ler.

Digamos que estamos projetando um menu para um restaurante tailandês.  Nosso cliente pode nos pedir para usar uma fonte com desenhos ‘tipicamente’  asiáticos, como a Sho:

De longe, em um letreiro ou fachada, a leitura é boa.

Mas veja o que acontece quando nós aplicamos a nossa escolha de fonte para o cardápio completo:

Ao substituir a fonte do texto por outra mais neutra permitimos que a fonte do nome do restaurante ganhe mais destaque.



 5. Regra número cinco: “Não há regras”

Ocasionalmente você poderá se deparar com um cardápio com aparência deslumbrante cujo conjunto de fontes é inteiramente da família Fantasia.  Ou um impresso que utiliza duas fontes Geometric Sans convivendo em harmonia (na verdade, esta semana acabei experimentando isso em um projeto e fiquei surpreso ao descobrir que “deu rock”).

O que existe são convenções apenas. Não há regras rígidas sobre como se deve utilizar os caracteres, assim como não existem regras absolutas de como se deve vestir-se pela manhã.  Vale a pena tentar tudo só pra ver o que acontece – até usar sua fantasia de Halloween para ir a um julgamento no tribunal.


 Conclusão

Estes cinco princípios nos dão apenas algumas orientações sobre como selecionar, aplicar e misturar os tipos. Em suma, escolher fontes requer uma combinação de compreensão e intuição, e – como acontece com qualquer habilidade – exige prática.  Com todas a diversidade de fontes que temos acesso hoje em dia, é fácil esquecer que não há nada como um tipo clássico bem utilizado por alguém que saiba como usá-lo.

Um dos melhores conselhos que já recebi sobre tipos veio logo no início, com o meu primeiro professor de tipografia: escolha um tipo de letra de sua preferência e use-o excessivamente por meses mais e mais meses para a exclusão de todos os outros. Embora este tipo de exercício possa deixar-nos constrangido ao longo do tempo, por outro lado pode servir como um lembrete de que a quantidade de opções disponíveis na era da internet não é nenhum substituto para a qualidade.


 Outros Recursos

Você pode se interessar nos seguintes artigos e recursos relacionados a tipografia:

Classificações dos Tipos
Uma lista mais extensa de diferentes categorias e sub-categorias de fontes que a versão apresentada neste artigo.

Então você precisa de um tipo de letra?
Fluxograma útil e bem humorado para ajudar na escolha de fontes.

Os Elementos do estilo tipográfico  por Robert Bringhurst
Link para a página de compra da Amazon.com deste livro clássico de 1992.

Que tipo de fonte você é?
Teste sua personalidade de acordo com as fontes.

Melhores Práticas de Combinação de Fontes
Este artigo dá dicas mais criteriosas para escolher e combinar fontes, bem como mostra alguns erros a serem evitados.

Para baixar esse artigo em PDF clique aqui.